SOLANGE AZEVEDO intimidade, impulso e explosão em três actos
Compositora e pintora natural da Póvoa de Varzim, Solange Azevedo é a Jovem Compositora em Residência na Casa da Música para a temporada de 2022. As primeiras obras nascidas desta residência insinuam-se em palco como três mergulhos na natureza humana, em busca de sementes para música nova e, sobretudo, música viva. Pensamento, desejo e impulso. Traços de vida que se traduzem em partituras para um trio, uma orquestra e um ensemble.
A intimidade clássica do trio de piano levou Solange Azevedo ao mundo mais racional deste conjunto de peças, explorando a ideia do pensamento inicial que se desdobra em acontecimentos consecutivos interligados, numa linha consciente até um ponto de chegada. Vaivém é essa linha racional, percorrida mas depois também reflectida, “como se mergulhássemos e depois viéssemos à tona e pensássemos sobre o que acabou de acontecer”. Esta atmosfera intimista vai ser revelada no primeiro concerto da residência, a 4 de Outubro, sendo intérprete o Dialecticae Piano Trio (violino, violoncelo e piano).
A segunda obra parte de uma ideia de Espinosa, “o desejo como essência do homem, como movimento que é essência precisamente por ser movimento e trazer poder de acção. Pode aumentar a potência de agir ou, mediante causas externas, pode diminuir essa potência de agir.” Na (de)formação de um desejo revela-se ao público num corpo, a Orquestra Sinfónica, com meios para “trabalhar aquilo que são os pólos do desejo: um desejo reprimido e depois o aumento da sua potência”, que pode ou não culminar na sua realização – o público fará a sua leitura após a audição. Este concerto acontece a 15 de Outubro e destaca-se pelo programa exclusivamente nacional: duas obras de Luís de Freitas Branco que marcaram o modernismo português no século XX, e a estreia mundial de Oscuro, uma nova obra encomendada a António Pinho Vargas, com direcção do maestro Pedro Neves.

Elementos da pintura povoam a música de Solange Azevedo. O traço inicial e irrepetível, gerador de um fluxo de acontecimentos imprevisíveis: “se antes de cada acto nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar.” A citação é de José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira) e serve de epígrafe à terceira obra da residência: Ensaio sobre o impulso, apresentada pelo Remix Ensemble já em Novembro. Uma ideia que se funde organicamente com os conceitos profundamente humanos explorados nas peças anteriores. Embora as palavras do escritor não tragam, necessariamente, uma ponte para a literatura, aproveitamos a deixa para notar que a atenção de Solange às palavras é também importante no seu percurso. Foi despertada em trabalhos que a fizeram encontrar-se com poesia e prosa de autores como Agustina e Ruben A., e particularmente numa experiência de formação com a compositora finlandesa Kaija Saariaho: o laboratório de criação de ópera European Opera Academy LAB, para o qual foi seleccionada pela ESMAE (a escola onde concluiu a licenciatura e o mestrado em Composição).
Mas não são os conceitos externos que dominam a arte de Solange Azevedo, antes a complementam. “A música é o foco central (…), os conceitos são aquilo que traz o primeiro apetite e o primeiro desejo para começar a compor.”
Aos 27 anos, Solange Azevedo tem obras escritas para os grupos AntiTrio, Neue Vocalsolisten Stuttgart, Noviga Projekto, Hodiernus Ensemble e Síntese – GMC. Música Viva (Lisboa), Harmos (Porto) e Musica (Estrasburgo) são alguns dos festivais em que a sua música foi tocada. Um universo que agora se alarga para a jovem compositora portuguesa em foco na programação da Casa da Música, com três obras apresentadas em estreia mundial.