Luigi Nono, revolucionário na política e na arte
Luigi Nono nasceu em Veneza a 29 de Janeiro de 1924. Foi um dos compositores italianos mais destacados após a Segunda Guerra Mundial, desenvolvendo uma abordagem musical particular que misturou práticas vanguardistas com militância política. Dessa forma, moveu-se num caminho paralelo aos modelos abstractos propostos pelos compositores ligados às vanguardas centradas nos Cursos de Verão de Darmstadt. Nesses eventos, destacou-se Bruno Maderna, professor e amigo de Nono cuja obra faz parte do programa do Festival Música & Revolução. Militante do Partido Comunista Italiano a partir de 1952, Nono inspirou-se no marxismo de Antonio Gramsci e colocou a sua obra numa posição muito particular. Nas suas palavras, ocupou a posição de “intelectual orgânico pertencente à classe trabalhadora,” para quem a música era uma forma de participação política e de transformação da sociedade. Articulando elementos distintos, levou as práticas sonoras contemporâneas às massas a partir de concertos e colóquios em locais de trabalho ao mesmo tempo que integrou elementos da vida quotidiana da sociedade industrial nas suas obras. Um movimento dialéctico entre Vida e Arte em que a poiesis é indissociável da praxis.

A edição de 2021 do Festival Música & Revolução inclui as Variazioni canoniche sulla serie dell’op. 41 di Arnold Schoenberg, uma obra que impulsionou a carreira de Nono. Estreada na edição de 1950 dos cursos de Darmstadt, é uma homenagem a Arnold Schoenberg, figura tutelar do Modernismo Vienense. Alguns anos depois, Nono casaria com Nuria Schoenberg, filha de Arnold. Com essa obra, Nono afirmou-se como herdeiro do dodecafonismo serial. O dodecafonismo serial é uma técnica de composição ligada à Segunda Escola de Viena que organiza os doze sons de forma estruturada e permite a escrita de obras com um grande grau de organicidade. Contudo, as Variazioni canoniche já apontam para o comprometimento político de Nono. A obra partilha o material com a Ode a Napoleão Bonaparte, de Arnold Schoenberg. Composta em 1942, é uma peça serialista para agrupamento de câmara baseada no poema Ode a Napoleão Bonaparte, escrito por Byron após a capitulação do Imperador de França. Tendo em conta a data de composição da obra de Schoenberg, a figura de Napoleão é facilmente extrapolada para significar Adolf Hitler. A partir de 1933, Schoenberg redescobriu a sua identidade judaica e fixou-se nos Estados Unidos da América para fugir ao anti-semitismo hitleriano. Nas Variazioni canoniche, Nono conciliou a sua visão política com o racionalismo abstracto associado aos modelos promovidos em Darmstadt, o que complicou a recepção da obra na estreia. Sempre inquieto, Nono abandonou esses modelos a partir do final da década de 1950 e dedicou-se à música electrónica, o que resultou encarnou em obras como La fabbrica illuminata. Esta obra foi desenvolvida no Estúdio de Fonologia da RAI de Milão, um importante centro de pesquisa e composição de música electrónica em Itália, liderado por Luciano Berio e Bruno Maderna. A década de 60 é marcada pelo apoio aos movimentos de libertação e pela democratização na África, na Ásia e na América Latina. O processo revolucionário iniciado a 25 de Abril de 1974 atraiu Nono a Portugal. Deslocou-se a Portugal em Fevereiro de 1975, a convite da Célula dos Músicos do Partido Comunista Português e visitou Lisboa, Setúbal e o Alentejo, onde apresentou o seu trabalho. No ano seguinte, participou na primeira Festa do Avante!, onde apresentou a ópera Al gran sole carico d’amore, sobre o movimento de libertação da mulher. A partir de então, reduz-se a carga politicamente explícita das suas obras. Guai ai gelidi mostri capta o inconformismo de Nono noutra época e num registo diferente. Escrita para vozes femininas, ensemble e electrónica em tempo real, a obra foi estreada em Colónia a 23 de Outubro de 1983. O filósofo italiano Massimo Cacciari selecionou e organizou os textos da obra. Então membro do Partido Comunista Italiano activo na região de Veneza, onde Nono vivia, Cacciara desenvolveu uma intensa colaboração com o compositor na década de 80. Numa altura em que o Nono valorizava a tecnologia como forma de emancipação e democratização, Guai ai gelidi mostri ocupa um lugar especial na sua produção. Luigi Nono deixou-nos a 8 de Maio de 1990, mas a sua obra tem sido mantida viva por pessoas como Núria Schoenberg-Nono.
Saiba mais sobre o Festival Música & Revolução, de 23 a 25 de Abril 2021, na Casa da Música: https://info.casadamusica.com/musica-revolucao-2021