Transmissão Online 28 Abril
Solistas do Remix Ensemble Casa da Música
Stephanie Wagner flauta
Óscar Rodrigues electrónica
Worten Digitópia
Philippe Manoury Jupiter
Portrait Philippe Manoury IV
O ciclo de transmissões dedicadas a Philippe Manoury apresenta uma obra que explora a interacção da flauta com um sistema de síntese digital em tempo real, procurando fazer a máquina assemelhar-se ao ser humano: escuta, espera por um acontecimento, reage quando ele ocorre. A obra data de 1987 e representou uma revolução na forma de conceber a composição com recurso a meios electrónicos, uma vez que a parte sintetizada é resultado não apenas da programação digital, mas principalmente da sua aplicação aos sons produzidos, em tempo real, pelo instrumento.
NOTAS AO PROGRAMA
Philippe Manoury Philippe Manoury Jupiter, para flauta e electrónica em tempo real (1986) Concepção científica: Miller Puckette Assistentes musicais: Marc Battier e Cort Lippe Quando, em 1986, iniciei a composição de Jupiter, não tinha praticamente modelos em que me basear. Os sistemas de interacção em tempo real entre os instrumentos tradicionais e os sintetizadores eram ainda balbuciantes. As primeiras experiências ocorreram no início dos anos 80, por Barry Vercoe e Lawrence Beauregard, que tiveram a ideia de conectar a flauta à máquina 4X. Desse modo, era possível imaginar o acompanhamento da execução instrumental por uma máquina, em tempo real, libertando assim o intérprete dos constrangimentos de um tempo congelado e imutável tal como aquele que resulta da música para fita magnética. Foi finalmente determinante a vinda de Miller Puckette para o IRCAM, em 1984, com a invenção do “score following” [programa que segue o instrumentista em tempo real, ajustando os efeitos e os sons manipulados ao seu próprio ritmo] e a configuração de todo o ambiente informático necessário para a realização desta obra. A primeira vitória foi, portanto, no que respeita ao tempo. O estímulo que daí obtive fez-me decidir estender a ideia a outros elementos, encontrando uma forma de fazer com que a flauta pudesse, ela própria, gerar uma grande parte da síntese sonora. Seguindo um princípio que me é caro, segundo o qual, em todas as obras mistas, o instrumento principal deve ser o centro de referência de todo o ambiente sonoro, elaborei diversas técnicas que permitiam deduzir as estruturas sonoras a partir da flauta — desde transformações ou derivações a partir do próprio som do instrumento até ao controlo da evolução dos sons sintéticos por uma análise do estilo de execução do solista. Estes princípios, a que depois chamei “partituras virtuais”, permitem uma conexão interactiva entre o instrumento e a música emitida pelos altifalantes. Dito de outra forma, a qualidade dos sons produzidos electronicamente é, em parte, função da forma como o solista interpreta a sua parte. Não se trata, em caso algum, de improvisação, já que toda a partitura está rigorosamente notada, mas sim de analisar a componente de liberdade que está na própria base da interpretação. A partitura conheceu numerosas versões. Por ocasião da sua estreia, em 1987, por Pierre-André Valade (que foi um participante muito activo nas primeiras experiências), Jupiter tinha uma duração total de mais de quarenta minutos. Uma versão “curta” de vinte minutos foi igualmente composta para o efeito de uma transmissão vídeo. Ao transferir-se os programas da máquina 4X para a Estação de Informática Musical do IRCAM*, foi elaborada uma terceira versão com a duração de cerca de trinta minutos, mas sem alterar o conteúdo sonoro da obra. Só mais tarde, em Novembro de 1996, decidi fixar a versão definitiva modificando substancialmente o conteúdo dos programas de síntese — operação que pode comparar-se a uma reorquestração. A música electrónica em tempo real, pelo menos aquela que é organizada desde a sua concepção (Jupiter é, desse ponto de vista, a primeira peça do género), tem ainda algumas dificuldades em abrir um caminho que se poderá imaginar mais desenvolvido. É certo que as limitações tecnológicas eram ali maiores do que em qualquer outra obra da actualidade, tal como o tempo necessário para a preparação e configuração é mais longo do que o normal. Porém, apesar da década decorrida desde a data de criação desta obra, em que escassas experiências nesta direcção tinham visto a luz do dia, continuo convencido de que se trata da mais consequente mudança substancial a que a música electrónica foi submetida, uma vez que, introduzindo-lhe o aspecto interpretativo, são os próprios fundamentos da composição que são colocados em causa. Philippe Manoury *O sistema 4X, concebido no IRCAM por Giuseppe di Giugno nos anos 80, foi o primeiro sistema informático em tempo real verdadeiramente poderoso. Nos anos 90, foi substituído pela Estação de Informática Musical preparada pela equipa de Eric Lindemann no IRCAM.


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