Transmissão Online
Remix Ensemble Casa da Música
Peter Rundel direcção musical
Pierre-Laurent Aimard piano
Olivier Messiaen Les Oiseaux Exotiques, para piano e ensemble
Figura fundamental da música do século XX, Olivier Messiaen compôs várias obras inovadoras explorando o canto dos pássaros. Les Oiseaux Exotiques é uma das mais famosas e reúne cantos de pássaros americanos e asiáticos. Ao piano, neste concerto que recolheu os elogios da crítica, escutamos Pierre-Laurent Aimard, um especialista na obra de Messiaen que inaugurou assim a sua residência artística na Casa da Música, na temporada de 2020.
NOTAS AO PROGRAMA
OLIVIER MESSIAEN Oiseaux Exotiques, para piano e ensemble (1956, rev.1985) O canto dos pássaros e a vanguarda musical de Olivier Messiaen Olivier Messiaen é uma das figuras cimeiras dos modernismos emergentes na década de 1930. Nessa altura, integrou o grupo de compositores La jeune France que se propunha a reformar a música francesa através da recuperação da espiritualidade nas artes. A sua carreira foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial, na qual participou. O Quarteto para o fim do tempo, uma das suas obras mais emblemáticas, foi escrita num campo de prisioneiros. Regressado a França após o conflito, leccionou no Conservatório de Paris. A abordagem particular e inovadora de Messiaen lançou as bases para alunos e seguidores como Pierre Boulez, Iannis Xenakis e Karlheinz Stockhausen conceberem correntes vanguardistas diversas e heterogéneas. Um dos elementos recorrentes na linguagem musical do compositor é o canto dos pássaros, reflexo do interesse pela ornitologia. Messiaen recolheu e transcreveu o som desses animais para os integrar nas suas obras. Oiseaux exotiques é um dos exemplos mais marcantes dessa tendência e incorpora o canto de pássaros asiáticos e americanos. O Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell editou vários fonogramas com os sons de aves americanas que inspiraram o compositor. Paralelamente, Messiaen frequentava os mercados de animais de Paris, onde gravava o canto dos pássaros. O colorido vivo das aves é traduzido numa orquestração exuberante, que funde timbre, ritmo e melodia de uma forma muito particular. Oiseaux exotiques reflecte os princípios sinestésicos de Messiaen, fundindo elementos de vários sentidos numa curta obra de câmara. A obra foi escrita entre 1955 e 1956 e resultou de uma encomenda da Domaine Musicale, uma agremiação promotora de música contemporânea dirigida por Pierre Boulez, aluno próximo de Messiaen. Oiseaux exotiques estreou no Petit Théâtre Marigny de Paris a 10 de Março de 1956. Destinada a piano e agrupamento de percussão, teve como primeiros intérpretes a pianista Yvonne Loriod, dedicatária da obra e futura mulher de Messiaen, e um ensemble da Domaine Musicale. A orquestração da obra é muito particular e permite uma grande flexibilidade, destacando os elementos constitutivos através do timbre, da articulação e da dinâmica. O piano desempenha um papel fulcral na peça, ligando secções protagonizadas pelo agrupamento através de passagens virtuosísticas baseadas no canto dos pássaros. Muitas vezes, o compositor fornece indicações sobre timbre ao pianista, requerendo que este aproxime o som ao de alguns instrumentos de percussão. O material melódico atribuído aos instrumentos de sopro é igualmente baseado em cantos de pássaros. As texturas variam de densidade ao longo da obra, incluindo passagens para pequenos agrupamentos camerísticos a fanfarras em que participam todos os instrumentos. O recurso a instrumentos pertencentes à mesma família, mas com registos distintos, permite ao compositor criar um timbre homogéneo que sobrepõe a outros elementos do agrupamento de forma contrastante. O papel da secção alargada de percussão é predominantemente baseado em sequências de ritmos da Índia e da Grécia Antiga, introduzindo uma ideia de tempo cíclico à obra. Uma periodicidade assimétrica confere vitalidade rítmica dentro de uma circularidade, a qual é sobretudo notória nas secções em que os instrumentos tocam em uníssono, um recurso muito apreciado por Messiaen. Oiseaux exotiques começa com uma introdução misteriosa protagonizada pelo ensemble que alterna glissandi e uníssonos destacados, enfatizando o contraste entre continuidade e descontinuidade. O canto do zaragateiro-de-crista-branca emerge no final da introdução, que conduz à entrada do piano sem acompanhamento. Esta baseia-se no canto do mainá-da-montanha e do tordo-dos-boques. Segue-se uma secção que intercala cadências solistas do piano baseadas nos sons do cardeal-da-Virgínia com um ensemble constituído pela família das flautas e dos clarinetes e a percussão. Nas intervenções do agrupamento encontram-se sobrepostos o canto de quatro pássaros: o chapim-da-Malásia, o corrupião-de-Baltimore, o rouxinol-do-Japão e o tordo-variegado. O grito característico do tetraz-das-pradarias antecipa um tutti que integra o canto de todos os pássaros da obra, assentes em ostinati percussivos circulares. O regresso do canto do tetraz-das-pradarias anuncia uma longa cadência virtuosística que explora a totalidade do âmbito do piano. Esta passagem encontra-se baseada nos sons emitidos pelo triste-pia e pelo pássaro-gato e precede um tutti dominado pelo canto do pombo-pisco oriental. O recurso ao contraponto que, simultaneamente, isola e mistura o canto dos pássaros destaca-se nesse tutti. O piano solista reintroduz passagens baseadas em elementos apresentados no início da obra, conduzindo à coda na qual pontificam os glissandi do zaragateiro-de-crista-branca e a verticalidade dissonante reforçada pela repetição e pela intensidade dinâmica. João Silva

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