Dança e celebração no Concerto de Ano Novo
Viena é uma cidade de música e um dos eventos musicais mais seguidos do Mundo é o Concerto de Ano Novo da Orquestra Filarmónica de Viena, apresentado na histórica Musikverein. Esse edifício mítico é o palco principal da orquestra há 150 anos e a sua arquitetura e decoração remetem para os últimos anos do Império Austro-Húngaro, onde o fausto e a elegância imperavam. Contudo, a tradição do Concerto de Ano Novo é mais tardia. Apesar de se realizarem eventos do género ao longo dos séculos XIX e XX, o modelo atual foi instituído durante o Nazismo. Assim, a Áustria da Anschluß celebrava a herança imperial num período negro da sua história. O primeiro concerto nesses moldes foi a 31 de Dezembro de 1939.

A música apresentada nos Concertos de Ano Novo centra-se em valsas, polcas e marchas que encarnam o hedonismo do final do século XIX. Na altura, orquestras especializadas em música de dança animavam a cidade, dos restaurantes do Prater aos mais requintados salões de baile. Na primeira metade do século XIX, destacaram-se os compositores e chefes de orquestra Joseph Lanner e Johann Strauss I. Posteriormente, os descendentes da família Strauss asseguraram décadas de valsas, polcas e marchas.

Theo Zasche – Revista Satírica Figaro 20 Outubro 1894, p. 7
A tradicional temporada de bailes alimenta e celebra esses géneros musicais e contribui para a cristalização desse repertório num contexto de sociabilidade mundana. Em Viena, os bailes de Inverno estendem-se de 11 de Novembro (Dia de São Martinho) até à Terça-Feira Gorda. Organizados por diversas agremiações, há-os para todos os gostos. Bailes de máscaras, bailes de gala, bailes com música tradicional, é só escolher. As danças vienenses, que encarnavam sofisticação e cosmopolitismo, foram disseminadas pelo mundo fora. A sua música atravessou fronteiras e tornou-se parte do quotidiano das pessoas. Dessa forma, criaram-se obras que permaneceram no repertório das orquestras. O teatro popular, em especial a opereta, também contribuiu para o Concerto de Ano Novo que, mais recentemente, tem incluído trechos célebres de óperas de várias tradições.
As principais danças dos bailes vienenses são a valsa e a polca. A valsa é uma dança em ritmo ternário que dominou o salão de baile oitocentista. A sua coreografia sofreu alterações, fixando-se no rodopio de pares que se encontram frente a frente. Paralelamente, compositores como Chopin e Schumann estilizaram-na, tornando-a num género instrumental muito importante. A valsa vienense distingue-se de outras valsas pois é interpretada com uma ligeira irregularidade rítmica, a Atempause, uma respiração que cria um movimento muito particular em que os pares parecem flutuar no ar em alguns momentos da dança. Contrastando com as linhas curvas da valsa, a polca é uma dança viva em ritmo binário que se popularizou nos salões de baile oitocentistas. Possivelmente originária da Boémia (parte da atual República Checa), foi transformada de uma dança de roda para uma dança de pares. A polca, com uma coreografia particular e saltitante, tem sido muito usada no início dos bailes vieneses.

A dança não era encarada como um divertimento trivial, mas como reveladora de uma boa educação. Assim, encarnava uma forma de etiqueta, aspecto que ocupa um lugar importante nos bailes de Viena. Comandados por um mestre de cerimónias, esses eventos obedecem a regras muito particulares que variam mediante a sua organização e finalidade. No convite escrito, os participantes são informados do código de vestuário, o qual deve ser religiosamente cumprido. A roupa tende a ser formal, sóbria para os homens e elegante para as mulheres, e os pares devem usar luvas brancas. Relógios de pulso e carteiras grandes são de evitar, ao contrário de relógios de bolso e de pochettes elegantes. Após a cerimónia de abertura, os debutantes (pessoas que se estreiam no baile) dançam a primeira parte. Depois, o mestre de cerimónias abre o recinto de dança aos restantes participantes. A etiqueta diz que os homens devem convidar as mulheres para dançar. Há momentos no baile em que essa prática se inverte, chamados de Damenwahl. Nos bailes, um cavalheiro não deve recusar um convite feminino. Inversamente, a senhora decide aceitar ou não dançar com quem a convida. À meia-noite, o mestre de cerimónias dirige uma quadrilha, uma dança de figuras, dando instruções aos bailadores. Entre comida e refrescos (nos quais se podem encontrar as famosas salsichas e cervejas austríacas), os bailes de Viena duram até de madrugada. Para anunciar o final, toca-se a famosa Marcha Radetsky, que também termina o Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena. Os pares saem para a rua, enchendo Viena de cor e de um cansaço alegre. Até ao próximo baile…