Emmanuel Nunes, Lisboa, 31 de Agosto de 1941
“Quando ouvi falar pela primeira vez em Emmanuel Nunes estaria eu no final da minha adolescência, nos últimos anos da década de 70, creio que no ano em que o compositor partiu de Paris para Berlim. A referência autobiográfica teria pouco ou nenhum interesse para o comum dos mortais não fora o significado mais genérico, num contexto histórico concreto – um país económica e culturalmente atrasado em relação à Europa central, recém-chegado à democracia – do impacto da notícia de um conterrâneo emigrado que lograra notabilizar-se como artista, ou como “intelectual”, como nesses tempos se enfatizava. É preciso recordar que nas décadas de 60 e 70 os portugueses queriam deixar o país principalmente por três razões: na grande maioria, para fugir à miséria de um mundo rural sem perspectivas; subsidiariamente para escapar à perseguição da polícia política; ou, pura e simplesmente – nos casos mais privilegiados –, para se subtrair à guerra colonial.
Tanto quanto me era dado nessa altura saber, Emmanuel Nunes saíra de Portugal, não por razões de necessidade económica, motivação política ou pura sobrevivência física, mas sim por necessidade de conhecimento. Esse facto, ou melhor, essa minha percepção da realidade, contribuiu durante longos anos para a criação de uma imagem de certa forma romantizada dum artista que está disposto a tudo abandonar – pátria, família, conforto material – para perseguir um ideal estético e, ao mesmo tempo, se apetrechar tecnicamente para poder perseguir esse ideal – o que, no fundo, vai dar ao mesmo. E ia alimentando a minha imaginação lendo notícias ou ouvindo comentários ocasionais sobre o compositor. A adolescência passou sem que na verdade eu tivesse tido ocasião de frequentar o que realmente para o caso interessa: a obra. Mais tarde, veio o convívio com a sua música, como uma revelação. Muito mais tarde, vim a cruzar-me com ele pela primeira vez num improvável lobby de hotel, em Valência – quem diria? A partir daí, e talvez à força de nos encontramos teimosamente do mesmo lado de várias trincheiras, produziu-se o misterioso privilégio da amizade.
Emmanuel Nunes continua a viver onde de sempre se sentiu em casa, na Casa da Música.”
– António Jorge Pacheco, Director Artístico e de Educação –